domingo, 28 de julho de 2013

Poema: Homem simples



Diante de tanta dor,
será que eu ainda terei força
para plantar o amor?

Diante de tanta falta de fé

que tanto nos confunde o coração,
será que eu conseguirei ser mais irmão?

Diante de tanta paz interrompida:

o fim da vida, 
o caos, 
o homem brutal,
será que acharei isso normal?

Queria mesmo, 

ter o coração de São Francisco
para não ser arisco
e viver um amor bonito.

Despor-me das vestes da ganância

seguir e trilhar um caminho novo,
leve, tal qual uma criança.

Diante dos fatos que cercam o nosso dia

será que ainda teremos alegria?
Queria ser tal qual Francisco de Assis,
ter esperança e a cada dia ser mais feliz.

Queria viver sem me preocupar,

como os pássaros que têm os lírios,
o grão, o trigo e a emoção
de ser livre e voar.

Ah, se o meu coração seguisse os caminhos

que seguiu o coração de Francisco de Assis!
Contemplaria mais de perto o Senhor
e com o Seu amor eu seria mais feliz.
                                     André Santos Silva



Comentário do autor:


   Ao ouvir a Oração de São Francisco de Assis, pensei: Meu Deus, do que precisamos de fato para sermos felizes? Temos saúde, uma casa, o pão de cada dia e ainda moramos numa cidade tranquila.
   Nessa reflexão, não quero levantar questões políticas referentes às mudanças essenciais à qualidade de vida e seguimento dos direitos do cidadão. Pois sei que isso é um dever dos governantes.
   Mas quero seguir pensando que a modelo do simples, podemos viver sem perder a nossa essência de vida.
   Podemos promover a paz, a tranquilidade, a irmandade e seguir um modelo de vida pautado nas conquistas, sem derrubar o outro, nos preocupando com o outro e nos sentindo parte do outro.
   A nossa vida caminha por arestas tão perdidas que não temos mais tempo para refletirmos sobre o que nos acontece, sobre os fatos que circulam e sobre essa distância (de nós para com o outro, do outro para conosco e de nós para com Deus) que se aproxima da raça humana a cada dia.
   Assim, estamos caminhando longe de um mundo mais justo. E a vida passa a ser vista como algo banal. O caos então, passa a ser normal e essa normalidade torna a humanidade mais distorcida e distante de uma qualidade de vida.

Oração de São Francisco


Senhor, fazei-me um instrumento de vossa paz.
Onde houver ódio, que eu leve o amor,
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão,
Onde houver discórdia, que eu leve a união,
Onde houver dúvida, que eu leve a fé,
Onde houver erro, que eu leve a verdade,
Onde houver desespero, que eu leve a esperança,
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria,
Onde houver trevas, que eu leve a luz.

Oh mestre, fazei que eu procure mais
Consolar que ser consolado,
Compreender que ser compreendido,
Amar que ser amado,
Pois é dando que se recebe,
É perdoando que se é perdoado
E é morrendo que se vive
Para a vida eterna.

   A oração de São Francisco não foi feita pelo mesmo. Apenas inspirada no espírito franciscano.

Como Surgiu a Oração de São Francisco 



   Não raro, as grandes coisas têm origem humilde. O Amazonas, o maior rio da Terra em volume de água, nasce de uma insignificante fonte entre duas montanhas de mais de cinco mil metros de altura ao sul de Cuzco, no Peru. O São Francisco, o rio da unidade nacional, se origina de uma pequeníssima fonte no alto da Serra da Canastra em Minas Gerais. Lentamente as águas vão se somando a outras águas até formarem rios caudalosos que deságuam no vasto mar.
   Algo semelhante ocorreu com a Oração pela Paz. Nasceu anônima, na periferia, sem que ninguém lhe desse importância especial. Aos poucos, seu conteúdo belo e inspirador foi acalorando corações e acendendo mentes. Como um raio de luz que segue seu curso pelos espaços sem fim, a Oração pela paz foi se difundindo até ganhar o mundo inteiro.
   Nela tudo é verdadeiro e convincente. É tão simples que pode ser compreendida por todos. É tão recitada por crianças budistas no Japão, por monges taoístas no Tibete, por mulçumanos no Cairo, por babalorixás em Angola, por papas cristãos em Roma, pelos fiéis das comunidades de base na América Latina e até por operários em manifestações e greves. Todos sentem que esta oração traduz, de forma extremamente inspirada, desejos ancestrais da humanidade. Ela vem ao encontro de demandas por paz e tolerância, imprescindíveis para a perigosa travessia que fazemos atualmente do local ao global, do nacional ao planetário, das muitas sociedades a uma única sociedade mundial.
   Quando aparecem orações com tal nível de inspiração e de universalidade, é sinal de que têm como autor o próprio Espírito Santo. Ele costuma atuar de forma anônima na suavidade dos corações abertos ao divino. Assim deve ter atuado no autor desconhecido que, cheio de ardor espiritual, deu forma à oração posteriormente atribuída a São Francisco de Assis.
   A Oração pela Paz apareceu pela primeira vez em 1913 numa pequena revista local da Normandia, na França. Vinha sem referência de autor, transcrita de uma outra revista tão insignificante, que nem deixou sinal da história, pois não foi encontrada em nenhum arquivo da França.
   
Da periferia para o centro

   A Oração de São Francisco se universalizou a partir de sua publicação no Ossevatore Romano, órgão oficioso do Vaticano, no dia 20 de janeiro de 1916. No dia 28 de janeiro do mesmo ano foi publicada no conhecido diário católico francês La Croix. Era o tempo da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e por todas as partes faziam-se orações pela paz.
   Como a Oração pela Paz ou a Oração de São Francisco chegou ao Vaticano para daí começar sua difusão pelo mundo?
   Por toda a cristandade, nas dioceses e paróquias, faziam-se fervorosas orações pelo fim da guerra que devastava e envergonhava a Europa, berço da assim chamada civilização ocidental e cristã. O fundador do semanário católico Souvenir Normand, Marquês de la Rochetulon, enviara ao Papa Bento XV várias orações pela paz. Não se sabe se eram de sua autoria ou se as recolhera entre as que circulavam no meio do povo.
   É sábio que essas orações chegaram ao Papa porque existe o bilhete do importante Cardeal Gasparri agradecendo ao Marquês de la Rochetulon em nome de Bento XV. Aí se faz interessante revelação: todas as orações, inclusive essa de São Francisco, eram dirigidas ao Sagrado Coração de Jesus, devoção introduzida em toda a Igreja no final do século XIX.
   Com essa devoção ao Sagrado Coração de Jesus se pretendia resgatar uma dimensão esquecida no cristianismo tradicional: a riqueza da santa humanidade de Jesus, de seu amor incondicional, de sua misericórdia, de seu enternecimento para com todos, especialmente para com os pobres e os pecadores, as crianças e as mulheres.

De Oração pela Paz a Oração de São Francisco


Por que essa Oração pela Paz passou a ser chamada de “Oração de São Francisco”?

   Por uma simples casualidade histórica que, no entanto, encerra um significado revelador. Pois há entre as características do Coração de Jesus e as características de São Francisco uma conaturalidade surpreendente. Não sem razão São Francisco é chamado de “o Primeiro depois do Único” ou o Alter Christus, o outro Cristo.
   Pouco tempo depois da publicação da oração pela Paz em Roma, um franciscano, Visitador da Ordem Terceira Secular de Reims, na França, mandou imprimir um cartão tento de um lado a figura de São Francisco com a regra da Ordem Terceira Secular na mão e do outro a Oração pela Paz, com a indicação da fonte: Souvenir Normand. No final uma pequena frase dizia: “essa oração resume os ideais franciscanos e, ao mesmo tempo, representa uma resposta às urgências de nosso tempo”. Essa pequena frase se tornou o elo revelador. Permitiu que a oração deixasse de ser apenas Oração pela Paz para ser também conhecida como “Oração de São Francisco” ou a Oração da Paz de São Francisco de Assis.
   Assim, essa oração passou a ser, simultaneamente, um resumo da devoção ao Sagrado Coração de Jesus e da espiritualidade franciscana. Curiosamente a oração de consagração ao Sagrado Coração de Jesus publicada por Leão XIII em 1899 tem uma estrutura semelhante à atual Oração de São Francisco, especialmente as tríades: discórdia/união, erro/verdade, trevas/luz.
   As demais contraposições ódio/amor, ofensa/perdão, dúvida/fé, desespero/esperança, tristeza/alegria estão ancoradas na pregação de Jesus e na sua prática libertadora. Sua presença e sua palavra transformam a realidade: onde há ódio surge o amor, onde há ofensa aparece o perdão, onde há dúvida irrompe a fé, onde há desespero nasce a esperança e onde há tristeza sorri a alegria.
   A segunda parte – “fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado” – constitui uma característica fundamental do cristianismo, a completa abnegação de si mesmo e daquilo que nos é mais caro para poder radicalmente servir o outro.
   A terceira e última parte – “pois é dando que se recebe; é perdoando que se é perdoado; e é morrendo que se vive para a vida eterna” – é igualmente fundada nos textos do Evangelho:
   - daí e vos será dado (Lc 6, 38)
   - perdoai e sereis perdoados (Lc 6, 37)
   - quem procurar preservar a vida, há de perde-la, e quem a perder, há de conserva-la (Lc 17,33)
   - quem ama sua vida acabará perdendo-a; mas quem odiar sua ida neste mundo vai guardá-la para a vida eterna (Jô 12, 25)
   Conclusão: o grande parentesco entre a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e a devoção a São Francisco de Assis permitiu que as características de uma fossem atribuídas ao outro. Isso nos faz lembrar a famosa frase do Padre Antônio Vieira em seu sermão sobre as Chagas de São Francisco: “Vesti Cristo e tereis Francisco, desvesti Francisco e tereis Cristo.”
   Essa conaturalidade aparece, por exemplo, nos escritos de São Francisco chamados Admoestações, em especial na de número 27. Aí encontramos nítido o espírito da Oração pela Paz:
   “Onde há amor e sabedoria não há medo nem ignorância.
   Onde há paciência e humildade não há ira nem perturbação.
   Onde há pobreza e alegria não há cobiça nem avareza.
   Onde há paz e meditação não há desassossegado nem dissipação.
   Onde o temor de Deus guarda a casa, o inimigo não encontra portas.
   Onde há misericórdia e descrição não há excesso nem dureza de coração.”
   Aparece também na oração de um dos discípulos mais místicos e profundos de São Francisco, o beato Egídio de Assis:
   “Se amares, serás amado;
   Se venerares, serás venerado;
   Se servires, serás servido;
   Se tratares bem os outros, serás também bem tratado.
   Entretanto,
   Bem-aventurado aquele que ama sem ser amado,
   Bem-aventurado aquele que venera sem ser venerado,
   Bem-aventurado aquele que serve ser servido,
   Bem-aventurado aquele que trata bem a todos sem ser bem tratado.”
   Eis espelhada aqui a força do amor incondicional. Ama por, amor pelo valor intrínseco do ato de amar, sem esperar qualquer retribuição. Esse é o amor que Deus tem para com seus filhos e filhas, mesmo ingratos e maus. Esse, o amor do Sagrado Coração de Jesus. Esse, o amor que incandesceu São Francisco. Esse, o amor que consome todos os místicos como São João da Cruz ou o Sufi Rumi. Esse, o amor que salva eternamente qualquer pessoa, funda a paz, redime o mundo e constitui o sentido secreto do universo.


   Fonte: Livro A Oração de São Francisco, Leonardo Boff.