Folclore Brasileiro: Cultura popular
que passa de geração em geração
Podemos definir o folclore como um conjunto de mitos e lendas que as pessoas passam de geração para geração. Muitos nascem da pura imaginação das pessoas, principalmente dos moradores das regiões do interior do Brasil. Muitas destas histórias foram criadas para passar mensagens importantes ou apenas para assustar as pessoas. O folclore pode ser dividido em lendas e mitos. Muitos deles deram origem às festas populares, que ocorrem pelos quatro cantos do país.
As lendas são estórias contadas por pessoas e transmitidas oralmente através dos tempos. Misturam fatos reais e históricos com acontecimentos que são frutos da fantasia. As lendas procuraram dar explicação a acontecimentos misteriosos ou sobrenaturais.
Os mitos são narrativas que possuem um forte componente simbólico. Como os povos da antiguidade não conseguiam explicar os fenômenos da natureza, através de explicações científicas, criavam mitos com este objetivo: dar sentido as coisas do mundo. Os mitos também serviam como uma forma de passar conhecimentos e alertar as pessoas sobre perigos ou defeitos e qualidades do ser humano. Deuses, heróis e personagens sobrenaturais se misturam com fatos da realidade para dar sentido à vida e ao mundo.
Lendas, mitos e contos folclóricos do Brasil
Boitatá
Representada por uma cobra de fogo que protege as matas e os animais e tem a capacidade de perseguir e matar aqueles que desrespeitam a natureza. Acredita-se que este mito é de origem indígena e que seja um dos primeiros do folclore brasileiro. Foram encontrados relatos do boitatá em cartas do padre jesuíta José de Anchieta, em 1560. Na região nordeste, o boitatá é conhecido como "fogo que corre".
Boto
Acredita-se que a lenda do boto tenha surgido na região amazônica. Ele é representado por um homem jovem, bonito e charmoso que encanta mulheres em bailes e festas. Após a conquista, leva as jovens para a beira de um rio e as engravida. Antes de a madrugada chegar, ele mergulha nas águas do rio para transformar-se em um boto.
Curupira
Assim como o boitatá, o curupira também é um protetor das matas e dos animais silvestres. Representado por um anão de cabelos compridos e com os pés virados para trás. Persegue e mata todos que desrespeitam a natureza. Quando alguém desaparece nas matas, muitos habitantes do interior acreditam que é obra do curupira.
Lobisomem
Este mito aparece em várias regiões do mundo. Diz o mito que um homem foi atacado por um lobo numa noite de lua cheia e não morreu, porém desenvolveu a capacidade de transforma-se em lobo nas noites de lua cheia. Nestas noites, o lobisomem ataca todos aqueles que encontra pela frente. Somente um tiro de bala de prata em seu coração seria capaz de matá-lo.
Mãe-D'água
Encontramos na mitologia universal um personagem muito parecido com a mãe-d'água: a sereia. Este personagem tem o corpo metade de mulher e metade de peixe. Com seu canto atraente, consegue encantar os homens e levá-los para o fundo das águas.
Corpo-seco
É uma espécie de assombração que fica assustando as pessoas nas estradas. Em vida, era um homem que foi muito malvado e só pensava em fazer coisas ruins, chegando a prejudicar e maltratar a própria mãe. Após sua morte, foi rejeitado pela terra e teve que viver como uma alma penada.
Pisadeira
É uma velha de chinelos que aparece nas madrugadas para pisar na barriga das pessoas, provocando a falta de ar. Dizem que costuma aparecer quando as pessoas vão dormir de estômago muito cheio.
Mula-sem-cabeça
Surgido na região interior, conta que uma mulher teve um romance com um padre. Como castigo, em todas as noites de quinta para sexta-feira é transformada num animal quadrúpede que galopa e salta sem parar, enquanto solta fogo pelas narinas.
Mãe-de-ouro
Representada por uma bola de fogo que indica os locais onde se encontra jazidas de ouro. Também aparece em alguns mitos como sendo uma mulher luminosa que voa pelos ares. Em alguns locais do Brasil, toma a forma de uma mulher bonita que habita cavernas e após atrair homens casados, os faz largar suas famílias.
Saci-Pererê
O Saci-Pererê é representado por um menino negro que tem apenas uma perna. Sempre com seu cachimbo e com um gorro vermelho que lhe dá poderes mágicos. Vive aprontando travessuras e se diverte muito com isso. Adora espantar cavalos, queimar comida e acordar pessoas com gargalhadas.
Comadre Florzinha
É uma fada pequena que vive nas florestas do Brasil. Vaidosa e maliciosa possui cabelos compridos e enfeitados com flores coloridas. Vive para proteger a fauna e a flora. Junto com suas irmãs, vivem aplicando sustos e travessuras nos caçadores e pessoas que tentam desmatar a floresta.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/folclore.htm
Bicho-papão
O bicho-papão é uma figura fictícia mundialmente conhecida. É uma das maneiras mais tradicionais que os pais ou responsáveis utilizam para colocar medo em uma criança, no sentido de associar esse monstro fictício à contradição ou desobediência da criança em relação à ordem ou conselho do adulto
Desde a época das Cruzadas, a imagem de um ser abominável já era utilizada para gerar medo nas crianças. Os muçulmanos projetavam esta figura no rei Ricardo, Coração de Leão, afirmando que caso as crianças não se comportassem da forma esperada, seriam levadas escravas pelo melek-ric (bicho-papão): “Porta-te bem senão o melek-ric vem buscar-te”.
A imagem do bicho-papão possui variações de acordo com a região. No Brasil e em Portugal, é utilizado o termo “bicho-papão”. Nos Países Baixos, o monstro leva o nome de Zwart Piet (Pedro negro), que possui a tarefa de pegar as crianças malvadas ou desobedientes e jogá-las no Mar Negro ou levá-las para a Espanha. Em Luxemburgo, o bicho-papão (Housecker) é um indivíduo que coloca as crianças no saco e fica batendo em suas nádegas com uma pequena vara de madeira.
Segundo a tradição popular, o bicho-papão se esconde no quarto das crianças mal educadas, nos armários, nas gavetas e debaixo da cama para assustá-las no meio da noite. Outro tipo de bicho-papão surge nas noites sem luar e coloca as crianças mentirosas em um saco pra fazer sabão. Quando uma criança faz algo errado, ela deve pedir desculpas, caso contrário, segundo a lenda, receberá uma visita do monstro.
Bumba meu boi
A dança folclórica do bumba meu boi é um dos traços culturais marcantes na cultura brasileira, principalmente na região Nordeste. A dança surgiu no século XVIII, como uma forma de crítica à situação social dos negros e índios. O bumba meu boi combina elementos de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem e a força bruta de um boi.
O bumba meu boi é resultado da união de elementos das culturas europeia, africana e indígena, com maior ou menor influência de cada uma dessas culturas. A dança misturada com teatro incorpora elementos da tradição espanhola e da portuguesa, com encenações de peças religiosas nascidas na luta da Igreja contra o paganismo. O costume da dança do bumba meu boi foi intensificado pelos jesuítas, que através das danças e pequenas representações, desejavam evangelizar os negros, indígenas e os próprios aventureiros portugueses.
A história que envolve a dança é a seguinte: Um rico fazendeiro possui um boi muito bonito, que inclusive sabe dançar. Pai Chico, um trabalhador da fazenda, rouba o boi para satisfazer sua mulher Catarina, que está grávida e sente uma forte vontade de comer a língua do boi. O fazendeiro manda seus empregados procurarem o boi e quando o encontra, ele está doente. Os pajés curam a doença do boi e descobrem a real intenção de Pai Chico, o fazendeiro o perdoa e celebra a saúde do boi com uma grande festividade.
O bumba meu boi possui diversas denominações em todo o Brasil. No Maranhão, Rio Grande do Norte e Alagoas a dança é chamada de bumba meu boi, no Pará e Amazonas, boi-bumbá, em Pernambuco, boi-calemba, na Bahia, boi-janeiro.
Negrinho do Pastoreio
É uma das lendas mais populares do Brasil, principalmente na região sul. Diz a lenda que um fazendeiro ordenou que um menino, seu escravo, fosse pastorear seus cavalos. Após um tempo, o menino voltou e o fazendeiro percebeu que faltava um cavalo: o baio.
Como castigo o fazendeiro chicoteou o menino até sangrar e mandou que ele fosse procurar o cavalo que faltava. O garoto conseguiu achar baio, porém não conseguiu capturá-lo, então, o fazendeiro o castigou mais ainda, prendendo-o em um formigueiro. No dia seguinte, o fazendeiro se deparou com o menino sem nenhum ferimento, a virgem Maria do seu lado e o cavalo baio. Após o fazendeiro ter pedido perdão, o menino nada respondeu, montou em baio e saiu a galope.
Vitória-Régia
A lenda da vitória-régia é muito popular no Brasil, principalmente na região Norte. Diz a lenda que a Lua era um deus que namorava as mais lindas jovens índias e sempre que se escondia, escolhia e levava algumas moças consigo. Em uma aldeia indígena, havia uma linda jovem, a guerreira Naiá, que sonhava com a Lua e mal podia esperar o dia em que o deus iria chamá-la.
Os índios mais experientes alertavam Naiá dizendo que quando a Lua levava uma moça, essa jovem deixava a forma humana e virava uma estrela no céu. No entanto a jovem não
se importava, já que era apaixonada pela Lua. Essa paixão virou obsessão no momento em que Naiá não queria mais comer nem beber nada, só admirar a Lua.
Numa noite em que o luar estava muito bonito, a moça chegou à beira de um lago, viu a lua refletida no meio das águas e acreditou que o deus havia descido do céu para se banhar ali. Assim, a moça se atirou no lago em direção à imagem da Lua. Quando percebeu que aquilo fora uma ilusão, tentou voltar, porém não conseguiu e morreu afogada.
Comovido pela situação, o deus Lua resolveu transformar a jovem em uma estrela diferente de todas as outras: uma estrela das águas – Vitória-Régia. Por esse motivo, as flores perfumadas e brancas dessa planta só abrem no período da noite.
Dama da meia noite
Diz a lenda que uma mulher jovem que não sabe que morreu vive andando pelas ruas da cidade. A tal mulher anda sempre com um vestido vermelho ou branco para encantar os homens solitários que bebem em algum bar.
É uma alma penada com corpo jovem e sedutor que se aproxima dos homens solitários deixando-os encantados.
A moça rapidamente pede para que o homem a leve de volta para casa e ele enfeitiçado pela beleza da moça aceita prontamente. Ao se depararem com um muro alto ela desce e o convida para entrar.
Quando o homem solitário percebe que se trata de um cemitério, a moça desaparece e o sino da igreja toca avisando que é meia noite.
Fonte:http://www.brasilescola.com/folclore/dama-da-meia-noite.htm
Curiosidades:
- É comemorado com eventos e festas, no dia 22 de Agosto, aqui no Brasil, o Dia do Folclore.
- Em 2005, foi criado do Dia do Saci, que deve ser comemorado em 31 de outubro. Festas folclóricas ocorrem nesta data em homenagem a este personagem. A data, recém criada, concorre com a forte influência norte-americana em nossa cultura, representada pela festa do Halloween - Dia das Bruxas.
- A palavra folclore é de origem inglesa. O termo "folk", em inglês, significa povo, enquanto "lore" significa cultura.
- Muitas festas populares, que ocorrem no mês de Agosto, possuem temas folclóricos como destaque e também fazem parte da cultura popular.
Fonte: http://www.suapesquisa.com/folclorebrasileiro/folclore.htm
Crônica:
Quem foi que viu o cachorro primeiro?
Sexta-feira, 19 horas e 30 minutos. Estávamos sentados à mesa de uma lanchonete, enquanto esperávamos o lanche...
Então, eu que não consigo ficar quieto, marquei com os meus alunos pela manhã, no fim da aula: “galerinha, vamos comemorar, hoje. É mês de agosto e no próximo domingo será um dia dedicado a todos vocês estudantes”. No horário combinado todas nos dirigimos ao estabelecimento do Tony.
Na mesa, enquanto aguardávamos, uma conversa surgia, outra vinha, outra ia, até que Alexandre decidiu filosofar com seus conhecimentos culturais e assustadores.
__Professor, o senhor viu a reportagem do cachorro?
__Cachorro? __ eu indaguei __ Que cachorro, menino?
__Aquela, professor, da cidadezinha, que quando o cachorro aparecia na casa da pessoa, ela morria. Dizem que ele sempre avisa a pessoa que ela vai morrer.
___ Eu vi, Alexandre __ responderam todos em côro.
___ Menino, onde você ouviu isso? Deus me livre desse cachorro. Se ele aparecer lá em casa... affffff!!! ___ eu disse.
___ Foi verdade, professor. E o pior é que quem via o cachorro primeiro, morria. Ele avisava. Não errava uma visita. Oh, Deus Pai! ___ Edicleia se assuntou.
A conversa continuou e não parava mais. Era o cachorro pra cá, era o cachorro pra lá.
De repente, houve um silêncio, um carro se aproximou e, com o farol ligado, iluminou os nossos olhos. O homem desceu e disse: “ficaram com medo?” E a conversa sobre o cachorro continuou. “Ele vai visitar você.”
___O lanche tá pronto! ___ gritou Tony e, logo, veio servir as mesas.
Todos comiam em silêncio e concentrados. No instante, de forma brusca, apareceu, sabe-se lá de onde, um cachorro preto, enorme, monstruoso e partiu em direção à mesa que estávamos. Nós nos assustamos e ele também. O bicho saiu correndo, mas ninguém quis dizer quem foi que o viu primeiro. O fato é que todos gritaram:
___ Uaaaaaaaai! Olha o cachorro aí! André Santos Silva
Conto:
Cachorra Helena
Dizem que na Semana Santa as assombrações ficam soltas e que aqueles meninos que xingam ou falam palavrões, têm sempre visões assombrosas. Pelo menos, foi isso, que ouvir dizer por muito tempo.
Mas eu sempre tive um cuidado especial com esses assuntos. Além de não proferir palavrões no dia a dia, na Semana Santa é que não falava mesmo.
Lembro-me que quando criança, meus amigos e eu sentávamos na esquina, próximo a minha casa, para cantar e tocar violão – eu cantava e outro colega tocava o violão.
Num desses dias, estávamos fazendo a festa na esquina. De repente, ouviu-se um murmúrio de algumas pessoas que desciam a rua, apavoradas – elas vinham das proximidades da Fazenda Bom Jardim, de propriedade do Senhor Gandelmar Moreira Silveira, aqui mesmo em Maiquinique.
Ficamos assustados e paramos o show. As pessoas comentavam que ouviram um barulho estranho ao passarem por aquela localidade. Pareciam lobos, cachorros.
Nesse período estávamos na Semana Santa e tínhamos muito medo do fim do mundo, pois rolava essa paranóia que o ano 2000 não chegaria e nem passaria.
E os murmúrios continuaram:
___ Gente, acho que é a Cachorra Helena!
Cachorra Helena é a lenda da filha que sempre batia na mãe e um dia a desafiou dizendo que queria se transformar numa cachorra se esse negócio de Sexta-feira Santa fosse verdade. Então, Helena se transformou numa cachorra e ficou conhecida como Cachorra Helena.
Vamos voltar à história?
Então, era Semana Santa e logo se espalhou o boato de que a Cachorra Helena havia aparecido em Maiquinique. Muita gente correu pra casa, outras ficaram na rua para esperar e ver a tal cachorra. Outras organizaram um grupo e decidiram ir à busca do tal animal. Melhor dizendo, da tal moça cachorra. Ahhhhh! Da Cachorra Helena.
Algumas pessoas pegaram pá, outras, enxada, facão, pedaço de pau... e partiram para capturarem o bicho.
Quando caminharam em direção à Escola Eurico Gaspar Dutra, encontraram um segundo grupo que também já havia se organizado para desvendar o mistério. Foi um corre-corre dos cabruncos. Esse dia foi muito engraçado, arrepiante e assustador.
Durante a caminhada os que mais colocaram banca de corajosos, desistiram com medo. Os demais prosseguiram.
Não houve tempo de prosseguir viagem. Quando estavam na metade do caminho, encontraram um terceiro grupo que já tinha feito a descoberta.
___ Podem voltar! Não há cachorra alguma. Muito menos essa tal de Helena. O que há, lá detrás daquela serra, é um grupo de pessoas evangélicas orando no monte.
Eles colocaram o rabinho entre as pernas, pegaram suas armas e voltaram à cidade sem graça e sem dizem ao menos uma palavra.
E é claro, sem a cachorra!
André Santos Silva
A MOÇA QUE BATEU NA MÃE E VIROU
CACHORRA
Rodolfo Coelho Cavalcanti
Vou contar mais um exemplo
Dentro da realidade,
Pois toda alma descrente
Vive na obscuridade,
Tem um vácuo coração
Condena a religião
Com toda incredulidade.
Helena Matias era
Filha de uma religiosa,
Dona Matilde – mãe dela
Alma santa e virtuosa
Porém, ela ao contrário
Era um falso relicário
Tipo mesmo vaidosa.
Em Canindé, Ceará
Deu-se esta narração
Helena Matias Borges
Foi transformada num cão
Por sua língua ferina
Transformou sua sina
Num mais horrível dragão.
Helena de vez em quando
Dava uma surra na mãe dela
Quando a velha reclamava
Um qualquer malfeito, ela
Com isso se aborrecia
Na pobre velha batia
Até que virou cadela.
Era uma Sexta-feira Santa,
Conhecida da paixão,
Helena disse à mãe dela:
- Quero me virar num cão
Se esta tal sexta-feira
Da paixão não é besteira
Da nossa religião.;
- Não diga isso, minha filha,
Que é arte do anticristo
Sexta-feira da paixão
Relembra o sangue de Cristo
Que por nós foi derramado!...
Disse Helena: - Isto é gozado....
Tudo é bobagem, está visto.
- Helena, por Deus te peço
Não zombes do Salvador
- Minha mãe, barriga cheia,
É algo superior...
Tudo isso são bobagens,
Cristo, padre, Deus, imagem,
Para mim não tem valor.
Na hora que gente nasce
Chora logo pra comer...
Eu quero comer jabá
Só se eu ouvisse Deus dizer:
“Helena não coma isto!”
Eu que não conheço Cristo
Nunca ouvi, nem posso crer.
Quando Matilde, a mãe dela
Foi aconselhar Helena,
Esta deu-lhe uma bofetada
Sem piedade, nem pena
Que a velha caiu chorando
E a Deus foi suplicando
Numa praga pequena.
- Tenho fé, filha maldita
Na Santa Virgem Maria,
Em todos Santos do céu,
Que hás de virar um dia
Numa cachorra indolente
Para saberes, serpente
Que uma mãe tem valia.
Uma rajada de vento
Passou feito um furacão
Um raio caiu bem perto
Com o ribombar do trovão
A terra toda tremeu
Logo o sol apareceu
Dois segundos na amplidão.
Helena sempre a zombar
Se pôs a carne a comer
Vendo a mãe dela chorando
Queria mais lhe bater
Mas a justiça divina
Mostrou à filha assassina
O seu supremo poder.
Dona Matilde se pôs
Naquele instante a rezar
Uma tempestade horrorosa
Caiu ali sem esperar,
Chuvas, faíscas e ventos
Com elevado pensamento,
Foi à filha aconselhar.
Helena continuava
Fazendo profanação
Comia mais por despeito
A tal carne do sertão
E disse para a mãe dela:
- Deus me vire uma cadela
Se é que ele existe ou não?
Quando Helena disse isso
O rosto todo mudou
E cauda como cadela
A moça se transformou...
Uma cachorra horrorosa
Espumando e furiosa
Naquela hora ficou.
Tinha cabeça de gente
Com a mesma feição dela
Mas o corpo até a cauda
Era uma terrível cadela...
Foi Helena castigada
Uma filha amaldiçoada
O castigo pegou nela.
Ali dentro do Canindé
A noticia se espalhou
A cachorra nesta hora
Muita gente estraçalhou
Ninguém pode matar
Cercaram para pegar
Porém ninguém a pegou.
O animal furioso
Horrível, endemoninhado,
Passou pra Pernambuco
Feito um lobo esfomeado...
Foi visto em Juazeiro
Quase matando um romeiro
De padre Cícero sagrado!
Há uns três anos passados
A tal cachorra assassina
Quase mata uma criança
Na cidade de Petrolina,
Voltou de novo a Cocal
E na estrada de Sobral
Mordeu uma pobre menina.
Em janeiro deste ano
Ela esteve na Bahia
Passou perto de Tucano
Desceu a Santa Luzia,
Passou pelo Jacuípe,
Depois chegou a Sergipe
Fazendo a mesma agonia.
Dizem que ela sempre ataca
Quando a noitinha aparece
Tem a cabeça de moça
Assim no mundo padece
Tendo o corpo de cachorra
Vive ela numa masmorra
Da mãe dela não esquece.
Duas vezes que ela foi
A zona do seu sertão
Para pedir à mãe dela
Seu sacrossanto perdão,
Com o padre se avista
E diz que ela resista
Se quer ter a salvação.
A penitencia da moça
É vinte anos sofrendo
Por isso que ela padece,
Uivando, se maldizendo
Pegando de noite gente
É uma cachorra valente
Que há anos vem aparecendo.
Afirmam que ela já foi
Há pouco desencantada
Mas é boato, pois, já
Neste mês foi avistada
No sertão de Água-Bela
E é a mesma cadela
Do Ceará encantada.
A toda moça aconselho:
- Tenha juízo bastante,
Uma mãe é pra cem filhos,
Diz o adágio importante,
Zombar de mãe é espeto
Quem escreveu o folheto
Foi Rodolfo Cavalcante.
Biografia
Foi criado pelos avós maternos, Florisbela e Antonio Coelho Cavalcanti, e aprendeu a ler com sua avó “Belinha”, que tinha uma escola de alfabetização. Com seu avô “Coelho”, aprendeu a recitar poemas, alguns até considerados obscenos para a época. Os parentes, vizinhos e amigos se deleitavam ao ver o pequeno Rodolfo declamar com desenvoltura.
Aos oito anos, voltou a morar com seus pais, quando estes se mudaram para Maceió, onde seu genitor foi trabalhar em uma fabrica de sabão. Foi nessa ocasião que Rodolfo começou a frequentar a escola e também a trabalhar juntamente com seu irmão Aristófeles, carregando latas d’água para abastecer a casa.
Desempregado, Arthur Cavalcanti voltou com a família para Rio Largo, onde foi trabalhar novamente na indústria têxtil. Rodolfo, então, começou a prestar pequenos serviços para ajudar no orçamento familiar. Em decorrência do trabalho precoce, só estudou até a terceira série do hoje chamado ensino fundamental. Entretanto, logo cedo revelou grande talento para a poesia. Criava versos com facilidade, tendo sido escolhido entre os alunos de sua escola para saudar com um verso de sua autoria o tenente Juarez Távora, por ocasião de sua passagem em Rio Largo, depois da vitória da Revolução de 1930:
Salve Juarez Távora, / O militar glorioso,
Estrela do nosso exército, / Que será vitorioso
Marchando para o porvir, / Vibrando consciencioso.
A família de Rodolfo voltou a morar em Maceió, onde ele conseguiu um emprego fixo nas Lojas Paulistas. Como sua função era atrair os fregueses, ele inventava versos adaptando letras de músicas conhecidas para cantar em frente da loja. O que ganhava por esse trabalho era entregue a mãe. Porém, a imprensa de Maceió denunciou o que hoje chamamos de “exploração do trabalho infantil”, e por esse motivo Rodolfo perdeu o emprego.
Em seguida, foi trabalhar na empresa Western Cable Telegraph Company. Para conseguir esse emprego, Rodolfo foi registrado (até então ele não tinha registro de nascimento) como tendo nascido em 1917, quando, na verdade, nascera em 1919. Quando foi despedido, não teve coragem de dizer para sua mãe. Fugiu de casa a pé com destino ao Recife, seguindo a linha férrea. No capital pernambucana, fez vários biscates (serviços eventuais) até conseguir uma quantia razoável e retornar para casa em 1932.
Em 1934, saiu de casa novamente. Na luta pelo pão de cada dia e usando sua habilidade nata de comunicador, Rodolfo vendeu até pedra tipo seixo, convencendo os fregueses de que elas tinham poder de cura. Foi vendedor de remédios falsificados e professor primário (ensino fundamental) concursado em Luzilândia, Piauí, até 1938. Com saudades da família, decidiu voltar para casa. Antes, comprou na Paraíba um lote de folhetos de João Martins de Athayde, iniciando a sua carreira de vendedor de cordel. Foi preso enquanto vendia os folhetos, pois na época os poetas populares eram perseguidos pelas autoridades.
Interessado pelos folhetos de cordel, escreveu o seu primeiro quando estava de passagem por Fortaleza, contando a tragédia de um afogamento na praia de Iracema. O cordel fez sucesso e em poucos dias vendeu cerca de três mil exemplares. Ainda durante o trajeto de volta para casa, se aventurou como palhaço de circo. Antes de um espetáculo, recebeu um telegrama dando a notícia, com três meses de atraso, da morte de seu pai, que ocorrera em janeiro de 1939.
Finalmente, chegou em casa, mas não demorou muito tempo e logo retomou as andanças. Em Conceição do Canindé, no Piauí, apaixonou-se por Hilda, com quem se casou em 1939. Em 1942, Rodolfo se estabeleceu na capital, Teresina, onde começou sua carreira de cordelista com o folheto Os clamores dos incêndios em Teresina, um sucesso de vendas, e escreveu mais outros 34 folhetos. Entusiasmado, instalou um ponto para venda de folhetos e miudezas. Contudo, por problemas na administração do pequeno comércio, teve prejuízo. Chateado, mudou-se, em 1945, para a cidade de Salvador, Bahia.
Salvador era considerado um bom mercado para a literatura de cordel e, aproveitando o momento político, escreveu e publicou, dois dias depois da queda de Getulio Vargas, o folheto A volta de Getúlio. Os primeiros mil exemplares esgotaram em apenas dois dias. Quando Otávio Mangabeira assumiu o governo da Bahia, em 1946, Rodolfo não perdeu a oportunidade e lançou o folheto ABC de Otávio Mangabeira.
A propósito desse fato, conta-se que certo dia, quando estava vendendo seus folhetos na rua, chegou um oficial do gabinete do governador e “convidou-o” para se apresentar ao chefe do Estado que, para surpresa de Rodolfo, disse que havia gostado do seu folheto ABC de Otávio Mangabeira. Depois de uma amigável conversa, o governador perguntou ao cordelista o que poderia fazer por ele. Rodolfo imediatamente falou sobre a falta de liberdade para vender seus folhetos. O governador, que gostava desse tipo de literatura, logo determinou que o trovador Rodolfo Cavalcanti podia comercializar seus folhetos em qualquer praça do estado da Bahia.
Livre de perseguições e motivado pelo III Congresso Brasileiro de Escritores (Salvador, 1950), começou a vislumbrar a possibilidade de um evento dessa natureza para a classe dos trovadores. A partir daí, começou a trabalhar nessa direção, fazendo parcerias, articulando-se com pessoas influentes no meio cultural, político e econômico. Em 1954, conseguiu uma coluna no Diário da Bahia chamada “Quando falam os trovadores”, e iniciou, também por conta própria, a edição do jornal A Voz do Trovador.
Finalmente, depois de quase cinco anos de muito trabalho e determinação, foi realizado, em Salvador, de 1º a 5 de julho de 1955, o I Congresso de Trovadores e Violeiros, cujo principal objetivo era a fundação de uma organização que reunisse a classe. Assim, foi fundada a Associação Nacional de Trovadores e Violeiros (ANTV), com registro, em ata de presença, de 87 congressistas. Entretanto, alguns membros da ANTV queriam transformá-la em instrumento político partidário. Rodolfo, contrariado com essa idéia, pediu demissão do cargo de presidente em agosto de 1956, o que ocasionou a dissolução da Associação.
Em 1958, fundou o Grêmio Brasileiro de Trovadores (GBT), que também teria vida efêmera, pois a ideia de reunir, na mesma organização, representantes de movimentos literários diferentes, provocou muitas divergências. Contudo, a GBT ainda conseguiu realizar, em setembro de 1960, em São Paulo, o II Congresso de Trovadores e Violeiros.
Rodolfo, apesar dos reveses da vida, como a morte de sua primeira filha, a jovem Israelita, continuou firme na luta pela classe cordelista. Em novembro de 1976, reuniu-se em Salvador com trovadores e violeiros na I Feira Regional da Literatura de Cordel, evento também idealizado por ele, com o apoio oficial da Divisão de Cordel da Fundação Cultural do Estado da Bahia. Aproveitando a oportunidade, Rodolfo fundou sua terceira agremiação de classe, a Ordem Brasileira de Literatura de Cordel, que conduziu até o fim de sua vida.
Em 1984, se dá mais um infortúnio na vida de Rodolfo. Um incêndio no Mercado Modelo, em Salvador, destruiu seu ponto de venda de folhetos. Sem mercado, não havia freguês; sem freguês, não havia dinheiro para sustentar sua esposa Hilda, e os filhos Rodolfinho, Ismoca e Nilza. A Fundação Cultural ofereceu-lhe um emprego garantindo sua subsistência.
Rodolfo estava em plena atividade quando morreu atropelado no dia 7 de outubro de 1986. O seu trágico desaparecimento causou comoção geral, repercutindo nos meios literários do Brasil e até do exterior. Mais de uma dezena de folhetos de cordel sobre ele foram publicadas. E, como uma premonição de sua própria morte, Rodolfo havia enviado para o II Concurso de Trovas de Belém do Pará a seguinte trova:
Quando este mundo eu deixar, /A ninguém direi adeus.
Dos poetas quero levar / Suas trovas para Deus.
Parte dos quase dois mil folhetos escritos por Rodolfo Coelho Cavalcanti pode ser encontrada no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa, que disponibiliza para consulta, em versão digital, 507 peças. A busca e o acesso a essas peças podem ser feitos pelo título, local de publicação, editora/tipografia, data e assuntos listados no vocabulário de cordel.
Recife, 28 de setembro de 2012.
FONTES CONSULTADAS:
O ACERVO em versão digital está disponível para consulta. Disponível em: . Acesso em: 227 set. 2012.
ALMEIDA, Átila Augusto F. de; ALVES SOBRINHO, José. Dicionário biobibliográfico de repentistas e poetas de bancada. João Pessoa: Editora Universitária; Campina Grande: Centro de Ciências e Tecnologia, 1978.
PINTO, Maria do Rosário. Rodolfo Coelho Cavalcanti. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012.
WANKE, Eno Theodoro. Introdução. In: RODOLFO Coelho Cavalcanti. São Paulo: Hedra, 2000. (Biblioteca de cordel).
COMO CITAR ESTE TEXTO:
Fonte: ANDRADE, Maria do Carmo. Rodolfo Coelho Cavalcanti. Pesquisa Escolar Online, Fundação Joaquim Nabuco, Recife. Disponível em: . Acesso em: dia mês ano. Ex. 6 ago. 2009.