segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Crônica: Disse me disse



   O homem nasce, cresce, fica besta e casa. Assim diz a língua popular de um bando de gente que sempre está atenta aos fatos da vida e que atenta o oprimido. 
   O ser nasce e de repente surgem as palavras. É um fala-fala  que se transforma cada vez mais e o povo fala, fala e fala. E dessa forma começa o tão sofrido cotidiano:
   _ Oh, que menino lindo! Mas o cabelo tá grande pra uma criança dessa idade!

   A mãe então leva o filho ao salão e o cabelo corta.
   _ Nossa! Ele de cabelo grande era mais bonitinho. Seu cabelinho enrolado parecia com o cabelo de um anjo (como se alguém já tivesse visto um anjo).
   A mãe franze a testa, dá um sorriso sem graça e sai disfarçadamente.

   O menino cresce. Agora tem onze anos e vive brincando com meninas. E de repente:
   _ Cuidado! Seu filho anda demais com menina. Vai aprender tudo de menina.
   A mãe vai lá e reprime o filho dizendo:
   _ Filhinho, menino brinca é com menino e menina brinca com menina. Entendeu?
   _ Sim, mamãe! _ responde o garoto assustado.
   
   Esse mesmo menino cresce. Agora com dezoito anos e ainda não teve a primeira namoradinha. A vizinha muito observadora  e discreta chama a atenção da mãe do garoto dizendo:
   _ Comadre, o seu filhão ainda não namora? Estranho, não acha? Os meus já estão todos na night há tempos!
   A mãe, preocupada, incentiva o filho a sair e dá dinheiro para ele tomar uma cerveja e conhecer umas garotas.
   Mal o filho começa a sair e os vizinhos do quarteirão o chamam de beberrão e desocupado.

   O rapaz agora tem vinte anos e começa uma paquera no portão da casa de uma garota. E o povo comenta:
   _ Olha, Filomena, o filho da vizinha aí só anda se esfregando com a mocinha da Judite nesse portão da casa. 
   _ Liga não, Madalena. Isso não demora um mês! Esse rapaz vai passar uma por uma do bairro. Os rapazes de hoje não querem compromisso. Você vai ver.

   Agora o rapaz tem vinte e três anos. E três anos de namoro. 

   Ao saírem da igreja, Filomena e Madalena passam pela praça e se dirigem ao casal, ali sentado, em tom de graça:
   _ Tá na hora de noivar. Faz um tempão, hem?
  
   Ao saírem dali, ainda seguindo, elas comentam:
   _ Esses não saem mais da praça. É todo dia da semana. Vai embuchar logo, logo.

   O casal ficou noivo. Agora são quatro anos de namoro e apenas um de noivado. E é claro que não poderia faltar a cobrança.
   _ E o casamento? Vai demorar não, né? Olha que a moça não pode ficar pra titia.
   
   No quinto ano de relacionamento - três de namoro e mais dois de noivado - o casal se casa e decide viver por dois anos sem ter filhos. E não demora...
   _ Tá demorando demais para ter um filho.
   _ É mesmo, tá na hora de dar um netinho pra sua mãe.
   _ Minha filha, não demore não. Se demorar vai ser mãe muito velha.
   
   O casal tem o primeiro filho. E as vizinhas...
   _ Menina, tenha logo outro. É bom que os dois cresçam juntos. Olha lá, não vá demorar, viu? A diferença de idade atrapalha a criação dos filhos. Mas antes tome umas vitaminas, pois está muito magrinha.
   _ Você tá fazendo greve de fome, minha filha, ou tá doente?
   A menina ri meio sem graça.
  
   Dois anos depois a moça teve o segundo filho e antes que esse (Pedrinho) completasse um ano, por descuido engravidou e gerou uma menina. E esse fato não passou desapercebido.

   Três senhoras passavam na frente da casa quando se depararam com a mãe.
   _ Minha filha, você não brinca em serviço não, né? _ fala a primeira senhora.
   _ Vixi Maria! Você já tem isso tudo? _ diz a segunda _ deve dá um trabalhão, hem?
   E a terceira que não fica atrás, logo comenta:
   _ Por que você não opera? Na Secretaria de Ação Social eles conseguem marcar ligadura na cidade vizinha. Acho que a prefeitura tem convênio.
   "Engraçado! Ela acha!"
   A pobre mãe sem graça sai de fininho e nem olha pra trás.
   Enquanto isso, as três senhoras seguem a todo vapor dando continuidade à conversa:
   _ Que menina louca!
   _ É verdade! Hoje tá tão difícil educar um filho. Imaginem três!
   _ E sem falar que ela é nova demais pra tá parindo tanto assim, não é mesmo?
   _ Meu Deus, ela engordou demais. Parece que tá inchada. Também o que deve comer!

   Na primeira esquina, uma das senhoras fica. As outras duas seguem caminho. A prosa continua por um destino longo e a passos lentos.
   _ Comadre Belarmina, não quis dizer nada, mas acho que a comadre Filomena é exagerada.
   _ Também acho. Eu apenas a acompanhei nos comentários para não deixá-la sem graça, comadre Madalena.
   _ E não é que eu fiz exatamente igual a senhora? Igualzinho mesmo.

   Algum tempo depois, Filomena morreu. Sofreu um acidente vascular cerebral. Ao chegar na casa, Belarmina, logo procura sarna pra se coçar e não alisa nos cometários.
   _ Ela fumava demais. Era cigarro de palha, cachimbo e ainda mascava fumo. Mas o ditado já diz, né? Quem não ouve consei, ouve coitado! _ ela falou e logo voltou pra sala.
   
   Ao chegar o padre e ao iniciar a celebração, Belarmina e Madalena estavam mais uma vez juntas. Após a pregação, as mesmas pediram um espaço e sem pestanejarem fizeram um pequeno pronunciamento.
   _ Queridos vizinhos, aqui presentes. Hoje estamos muito tristes! Perdemos uma senhora que era exemplo para qualquer um de nós. Muito justa, discreta e verdadeira. Não conheço isso aqui _ ela levantou a mão e exibiu as unhas juntando um dedo ao outro _ de uma palavra que tenha saído de sua boca para falar mal de alguém _ disse Belarmina com ar de tristeza.
   _ Também desconheço. Nunca vi Filomena falar algo que faltasse com a verdade. Ela era uma pessoa muito boa. Mas Deus chama os bons porque o céu precisa deles para embelezar _ Madalena tomou parte nos comentários.

   O filho de uma das senhoras já conhecendo o disse me disse da mesma, tomou parte na conversa e sem muita demora interrompeu-a dizendo:

   _ Chamo os familiares para que fechem o cachão e, em paz, partamos para o cemitério.
   As duas se calaram e em silêncio acompanharam o cortejo.

   De repente, no caminho, Filomena e Madalena se olharam e num jeitinho de quem nada quer, uma se aproximou da outra e...
                                           André Santos Silva



Comentários do autor


   Dizem que o povo fala e fala mesmo. Se chove, logo reclama, se faz sol, um calor infernal. O fato é que a língua é um instrumento de comunicação e por meio dele o homem interage.
   Então, deixe o povo interagir!